sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

UM NOVO 1834 ?




 

Em 26 de Maio de 1834, os Portugueses, através da Concessão de Évora-Monte, viram-se livres

do retrógrado absolutismo e do seu último abencerragem, o rei usurpador D. Miguel I , e entraram numa época de liberdade política.

Em 5 de Outubro de 2010, com a Revolução Republicana, deu-se um segundo 1834. Contudo, para alem da designação do Chefe de Estado passar a ser feita por eleição e não por hereditariedade, dum notável esforço feito na educação e da redução dos poderes civis da Igreja, os resultados não foram os desejados pelos idealistas republicanos. Com a revolta de 28 de Maio de 1926, seguida do consulado salazarista, os direitos sociais e políticos dos Portugueses sofreram um grande recuo e a situação económica da generalidade da população não melhorou.

Com a Revolução de 25 de Abril de 1974, e a concessão aos vencidos que se seguiu ( comparar com as concessões aos vencidos de Évora-Monte para ver as semelhanças ), Portugal viu-se livre da doutrina salazarista e subsequente prática governativa marcelista, para entrar numa fase de grandes transformações socias em que foram assegurados aos cidadãos a igualdade e universalidade de direitos quanto ao usufruto dos sistemas de saúde, de educação e de segurança social, e de transformações laborais como a liberdade sindical e a garantia dos direitos dos trabalhadores, incluindo a greve e a negociação livre de contratos colectivos de trabalho. Do ponto de vista empresarial, para alem da discussão sobre o que deve ser privado e o que deve ser público, a grande mudança foi a permissão da livre concorrência, a eliminação dos impostos alfandegários relativos aos bens oriundos da EU e a sua drástica redução relativa a importações doutros pontos do globo.

Com a crise financeira que se iniciou em 2008 nos EUA e depois se propagou à UE – e cujos pormenores mais ou menos todos nós conhecemos e que não valerá a pena repetir – os governos europeus conservadores tiveram um bom pretexto para considerar que as regalias sociais e os direitos laborais eram insustentáveis financeiramente e que portanto deveriam ser “reformados” a bem dos equilíbrios orçamentais. Ou, dito de outra maneira, começou a navegar a ideia de que o desenvolvimento humano deveria ser sacrificado ao equilíbrio das contas públicas – e não que seria necessário promover o crescimento da riqueza e a regulação apertada dos mercados para permitir o financiamento do estado social europeu.

A necessidade de obter empréstimos internacionais a custos mais baixos que os “mercados” estavam a propor, e que eram incomportáveis, levou a que Portugal tivesse pedido auxílio à EU e ao FMI. A contrapartida da satisfação desse pedido obrigou a que o governo PS ( demissionário )   de então, bem como a oposição PSD+CDS, assinassem um documento de compromisso ( ou memorando ) em que claramente os portugueses seriam sacrificados. De passagem devo dizer que se em relação ao FMI isso não me espanta pois é uma organização baseada no princípio capitalista de nada fazer sem ter lucro – e o mal é de quem precisa – já em relação à EU o menos que posso considerar é que foi pouco solidária.

Como estamos lembrados, de seguida uma coligação PSD+CDS ganhou as eleições, formou governo e começou a aplicar o compromisso. Com a ajuda da troika ( termo de origem russa introduzida no léxico mundial quando Krucheve então secretário geral do PCUS e chefe do governo da União Soviética propôs que o secretariado das Nações Unidas passasse a ser constituído por três membros ( uma troika ) que controlou apertadamente a actividade do governo.

Gostosamente, penso eu, o governo PSD+CDS declarou até que iria para alem das exigências do compromisso e os Portugueses viram diminuir as regalias socias, os direitos laborais, as despesas com a saúde e a educação, a investigação científica, os auxílios estatais em caso de desemprego ou de falta de rendimentos para sobreviver, o investimento público, a um terrível  aumento do desemprego, etc

E viram também empresas monopolistas ou de interesse estratégico nacional passarem

( ou estarem à beira de ) para capital estrangeiro, sem que que isso trouxesse qualquer benefício para o País – excepto os tostões que foram usados não para diminuir a dívida pública mas para diminuir o AUMENTO da dívida.

E viram ainda que o governo nada fez para criar riqueza, nem sequer um plano para tal, deixando tudo à boa vontade e ao instinto de sobrevivência das empresas privadas.

Tudo isto, claro, “ a bem da nação” como se dizia noutros tempos.

Dizem que esta atitude do governo ( e da troika ) corresponde a uma ideologia político-económica denominada neo-liberalismo. Esta baseia-se fundamentalmente , dizem, em deixar funcionar livremente “os mercados” e na não intervenção dos governos nos assuntos económico-financeiros, alem duma regulação quanto menor, melhor.

Entre nós, a prática associada a esta ideologia conduziu à diminuição de rendimentos da quase totalidade dos Portugueses, ao aumento da pobreza em geral e da infantil em particular, ao desemprego, a um novo surto de emigração, a um brutal aumento de impostos, a uma redução do investimento e , pasme-se ou talvez não, ao aumento do número de milionários .

 (O que não deixa de ser uma prova de que os sacrifícios impostos aos Portugueses não 

atingiram de facto todos os Portugueses )

 E a pesar de tudo as contas públicas não estão equilibradas e a dívida soberana tem aumentado.

É mais que tempo de acabar com a prática do passos-portas- cavaquismo ( infeliz vertente local do referido neo-liberalismo ). É tempo, a bem da dignidade, do bem-estar e do progresso dos Portugueses inverter esta situação, ou seja criar condições para que, face ao governo, os cidadãos, todos os cidadãos, sejam mais importantes que o dinheiro e que os capitais sejam colocados na sua devida posição de serventuários das pessoas ( e não o contrário ).  E é tempo também de eliminar o discurso político que tentou colocar trabalhadores do sector privado contra trabalhadores do sector público, empregados contra pensionistas, jovens contra idosos.

 É evidente que isto não se consegue num estalar de dedos: é necessário boa vontade, sentido do dever, amor aos Portugueses e a Portugal, muita honestidade e competência, muita vontade de trabalhar e argumentação forte para ter voz na UE e conseguir que as ideias neo-liberais dos países da Europa central também mudem.

Mas atingir estes objectivos, é necessário continuar a trabalhar para acabar com as práticas passos-portas-cavaquistas.

É necessário remover o presente governo, infligindo-lhe uma derrota eleitoral convincente nas próximas eleições

É NECESSÁRIO QUE AS PRÓXIMAS ELEIÇÕES SEJAM UM NOVO MAIO DE 1834 !

 

8 JAN 2015

 

O CUSTO DOS MEDICAMENTOS






Foi motivo de grande emoção pública o caso do preço do fármaco para tratamento da hepatite C  e da obrigação que o Estado deve ter para salvar a vida dum cidadão, mesmo que isso custe muito dinheiro.

Não sei se o preço do medicamento em questão é exorbitante ou não ( que é muito dinheiro, é ). Só poderia ter uma opinião se soubesse quanto é que a empresa farmacêutica que o comercializa gastou com o seu desenvolvimento, quanto gasta com a sua produção e quantas doses espera vender até que termine a patente, ou até que surja outra droga diferente mas de efeito equivalente. Mas sei, pela lógica do sistema em que vivemos, que a dita empresa, sendo uma empresa privada, tem de obter lucros daquilo que fabrica e vende pois em caso contrário os prejuízos poderão obrigá-la a fechar as portas. Mas não nos devemos esquecer que uma coisa é ter benefícios do trabalho que se teve e outra é ter lucros absurdos com a venda dum produto essencial à manutenção de vidas humanas

Parece-me evidente que quanto mais difíceis de tratar, ou de prevenir através de vacinas, são as doenças, maior terá de ser o investimento em cérebros, organização do trabalho, experiências de avaliação e mais tempo será necessário até se chegar a um resultado que satisfaça.

Regra geral esta função de descobrir novos fármacos para novas ou velhas patologias está nas mãos da indústria farmacêutica privada, limitando-se os laboratórios públicos, também regra geral, a fazer investigação básica sobre os mecanismos de aparição, desenvolvimento e eliminação das causas da doença.

Sabendo-se que ainda existem doenças mortais para as quais não há tratamento nem vacina conhecidos e considerando que é ponto assente nas sociedades democráticas que os governos ( eleitos  pelo povo ) devem organizar-se de forma a proteger a vida dos cidadãos da melhor forma possível, porque motivo não têm os Estados empresas farmacêuticas públicas a trabalharem para obter resultados práticos no combate às doenças mortais ? Não se assustem : não estou a propor a nacionalização da industria farmacêutica, à qual aliás muito devemos, estou só a dizer que também é dever dos Estados  terem laboratórios capazes de produzirem fármacos inovadores para atacar

as enfermidades mortais para as quais ainda não há remédio e pô-los ao serviço da vida humana por preços comportáveis, dentro das normas dos serviços nacionais de saúde. E para mais rapidamente se atingirem os objectivos, porque não os Estados convencionarem entre si quem faz o quê e pôr em comum os resultados ?

No fundo, dum ponto de vista de conceito político, seria utilizar a investigação médico-farmacêutica como se utilizam as polícias, visto que ambas se destinam a proteger as pessoas de males que as espreitam. E creio que no nosso espectro político ainda não existem partidos que defendam a privatização da polícia de segurança pública…

Se existe uma interpol, porque não há-de existir um “interlab” ?

13 FEV 2015