UM NOVO 1834 ?
Em 26 de
Maio de 1834, os Portugueses, através da Concessão de Évora-Monte, viram-se
livres
do
retrógrado absolutismo e do seu último abencerragem, o rei usurpador D. Miguel
I , e entraram numa época de liberdade política.
Em 5 de
Outubro de 2010, com a Revolução Republicana, deu-se um segundo 1834. Contudo,
para alem da designação do Chefe de Estado passar a ser feita por eleição e não
por hereditariedade, dum notável esforço feito na educação e da redução dos
poderes civis da Igreja, os resultados não foram os desejados pelos idealistas
republicanos. Com a revolta de 28 de Maio de 1926, seguida do consulado
salazarista, os direitos sociais e políticos dos Portugueses sofreram um grande
recuo e a situação económica da generalidade da população não melhorou.
Com a Revolução
de 25 de Abril de 1974, e a concessão aos vencidos que se seguiu ( comparar com
as concessões aos vencidos de Évora-Monte para ver as semelhanças ), Portugal
viu-se livre da doutrina salazarista e subsequente prática governativa
marcelista, para entrar numa fase de grandes transformações socias em que foram
assegurados aos cidadãos a igualdade e universalidade de direitos quanto ao
usufruto dos sistemas de saúde, de educação e de segurança social, e de transformações
laborais como a liberdade sindical e a garantia dos direitos dos trabalhadores,
incluindo a greve e a negociação livre de contratos colectivos de trabalho. Do
ponto de vista empresarial, para alem da discussão sobre o que deve ser privado
e o que deve ser público, a grande mudança foi a permissão da livre
concorrência, a eliminação dos impostos alfandegários relativos aos bens
oriundos da EU e a sua drástica redução relativa a importações doutros pontos
do globo.
Com a crise
financeira que se iniciou em 2008 nos EUA e depois se propagou à UE – e cujos
pormenores mais ou menos todos nós conhecemos e que não valerá a pena repetir –
os governos europeus conservadores tiveram um bom pretexto para considerar que
as regalias sociais e os direitos laborais eram insustentáveis financeiramente
e que portanto deveriam ser “reformados” a bem dos equilíbrios orçamentais. Ou,
dito de outra maneira, começou a navegar a ideia de que o desenvolvimento
humano deveria ser sacrificado ao equilíbrio das contas públicas – e não que
seria necessário promover o crescimento da riqueza e a regulação apertada dos
mercados para permitir o financiamento do estado social europeu.
A
necessidade de obter empréstimos internacionais a custos mais baixos que os “mercados”
estavam a propor, e que eram incomportáveis, levou a que Portugal tivesse
pedido auxílio à EU e ao FMI. A contrapartida da satisfação desse pedido
obrigou a que o governo PS ( demissionário ) de
então, bem como a oposição PSD+CDS, assinassem um documento de compromisso ( ou
memorando ) em que claramente os portugueses seriam sacrificados. De passagem
devo dizer que se em relação ao FMI isso não me espanta pois é uma organização
baseada no princípio capitalista de nada fazer sem ter lucro – e o mal é de
quem precisa – já em relação à EU o menos que posso considerar é que foi pouco
solidária.
Como estamos
lembrados, de seguida uma coligação PSD+CDS ganhou as eleições, formou governo
e começou a aplicar o compromisso. Com a ajuda da troika ( termo de origem
russa introduzida no léxico mundial quando Krucheve então secretário geral do
PCUS e chefe do governo da União Soviética propôs que o secretariado das Nações
Unidas passasse a ser constituído por três membros ( uma troika ) que controlou
apertadamente a actividade do governo.
Gostosamente,
penso eu, o governo PSD+CDS declarou até que iria para alem das exigências do
compromisso e os Portugueses viram diminuir as regalias socias, os direitos
laborais, as despesas com a saúde e a educação, a investigação científica, os
auxílios estatais em caso de desemprego ou de falta de rendimentos para
sobreviver, o investimento público, a um terrível aumento do desemprego, etc
E viram
também empresas monopolistas ou de interesse estratégico nacional passarem
( ou estarem
à beira de ) para capital estrangeiro, sem que que isso trouxesse qualquer
benefício para o País – excepto os tostões que foram usados não para diminuir a
dívida pública mas para diminuir o AUMENTO da dívida.
E viram
ainda que o governo nada fez para criar riqueza, nem sequer um plano para tal,
deixando tudo à boa vontade e ao instinto de sobrevivência das empresas
privadas.
Tudo isto,
claro, “ a bem da nação” como se dizia noutros tempos.
Dizem que
esta atitude do governo ( e da troika ) corresponde a uma ideologia político-económica
denominada neo-liberalismo. Esta baseia-se fundamentalmente , dizem, em deixar
funcionar livremente “os mercados” e na não intervenção dos governos nos
assuntos económico-financeiros, alem duma regulação quanto menor, melhor.
Entre nós, a
prática associada a esta ideologia conduziu à diminuição de rendimentos da
quase totalidade dos Portugueses, ao aumento da pobreza em geral e da infantil
em particular, ao desemprego, a um novo surto de emigração, a um brutal aumento
de impostos, a uma redução do investimento e , pasme-se ou talvez não, ao
aumento do número de milionários .
(O que não deixa de ser uma prova de que os
sacrifícios impostos aos Portugueses não
atingiram de
facto todos os Portugueses )
E a pesar de tudo as contas públicas não estão
equilibradas e a dívida soberana tem aumentado.
É mais que
tempo de acabar com a prática do passos-portas- cavaquismo ( infeliz vertente
local do referido neo-liberalismo ). É tempo, a bem da dignidade, do bem-estar
e do progresso dos Portugueses inverter esta situação, ou seja criar condições
para que, face ao governo, os cidadãos, todos os cidadãos, sejam mais
importantes que o dinheiro e que os capitais sejam colocados na sua devida
posição de serventuários das pessoas ( e não o contrário ). E é tempo também de eliminar o discurso político
que tentou colocar trabalhadores do sector privado contra trabalhadores do
sector público, empregados contra pensionistas, jovens contra idosos.
É evidente que isto não se consegue num
estalar de dedos: é necessário boa vontade, sentido do dever, amor aos
Portugueses e a Portugal, muita honestidade e competência, muita vontade de
trabalhar e argumentação forte para ter voz na UE e conseguir que as ideias
neo-liberais dos países da Europa central também mudem.
Mas atingir
estes objectivos, é necessário continuar a trabalhar para acabar com as
práticas passos-portas-cavaquistas.
É necessário
remover o presente governo, infligindo-lhe uma derrota eleitoral convincente
nas próximas eleições
É NECESSÁRIO
QUE AS PRÓXIMAS ELEIÇÕES SEJAM UM NOVO MAIO DE 1834 !
8 JAN 2015
