A NOVA GUERRA FRIA
Entre os
então denominados bloco ocidental e bloco soviético viveu-se durante muitos
anos um estado de confrontação a que se deu o nome de guerra fria que,
felizmente, nunca chegou a “aquecer” porque o terror dum holocausto nuclear foi
mais forte do que as ambições de dominação eventualmente existentes.
Durante esse
período os governos democráticos do bloco ocidental ( fossem eles democratas-cristãos
ou sociais democratas ) esforçaram-se por mostrar aos seus eleitores que a
economia de mercado, apoiada num sistema capitalista regulado, era capaz de
proporcionar mais protecção e bem estar do que o bloco soviético, baseado num
sistema de partido único, planeamento económico centralizado e capitalismo de
estado ( e repressão de dissidentes ) que garantia emprego para todos, educação
e saúde gratuitas, reforma ao fim da vida de trabalho ( mas não a liberdade) .
Nasceu assim, e foi-se desenvolvendo, o Estado Social Europeu que trouxe às
populações igualdade de oportunidades, bem estar e poder aquisitivo, num
ambiente de liberdade e de livre escolha.
Com os esfrangalhamento da União
Soviética e o fim dos regimes comunistas nos países do bloco de leste, o estado
de espírito dos detentores do capital e dos dirigentes dos partidos da direita
começou a mudar : já não havia competição com o bloco comunista, já não havia
perigo da “revolução bolchevista” e portanto talvez não fosse necessário
conceder tantas “benesses” aos trabalhadores… A desregulação dos mercados
iniciada pelos parceiros Reagan e Thatcher, cada um no seu país, permitiu um à
vontade aos capitalistas especuladores que não tinham tido até então. Começaram
a ser postos à disposição dos investidores, incluindo bancos, os chamados “produtos tóxicos” e a ser concedido
crédito duma forma descuidada por parte dos emprestadores, só com a mira em
lucros rápidos e fáceis. Tudo isto resultou na crise que se vem manifestando
desde 2008 – e da qual a chamada crise das dívidas soberanas é a componente que mais tem feito sofrer os portugueses
E qual tem sido a solução adoptada na
União Europeia para estes males? Em vez
de fazer jus ao seu nome e unir-se realmente, procedendo a uma regulação
eficiente dos mercados de capitais, optou, seguindo a influência dos países
mais ricos, por impor a todos, e em especial às nações em dificuldades, uma
política de austeridade que veio pôr em causa os fundamentos do Estado Social
Europeu. Os novos políticos da direita neo-liberal ou melhor dito
neo-conservadora, que possivelmente nunca gostaram da situação anterior em que
se verificava uma mais justa distribuição da riqueza, apoiaram e apoiam esta
solução e temos estado a assistir a uma luta, a uma autêntica luta – uma GUERRA
FRIA , nalguns países com erupções “quentes”, nas manifestações que descambam
em desordem e luta entre as “forças da ordem” e os manifestantes – entre os
adeptos do Estado Social e os que dizem que não há dinheiro para isso, que a
situação económica da população ( não rica ) tem de regredir algumas décadas.
Não sou economista, mas dizer que “não há dinheiro para isso” não me parece a
expressão correcta. A frase correcta, que tais políticos devem dizer, é : “essa não é a nossa prioridade; a nossa
prioridade é deixar funcionar livremente os “mercados” e quem tiver unhas que
toque guitarra “. E o resultado desta
política de austeridade já se começou a notar:
ricos tornam-se cada vez mais ricos , a classe média vai-se desfazendo
e os pobres tornam-se cada vez mais
pobres.
Volto a dizer estamos novamente numa situação
de guerra fria entre duas maneiras de encarar a vida : uma em que o primado das
actividades económicas é a satisfação das necessidades do Homem e outra em o
objectivo das mesmas actividades é acumular cada vez mais dinheiro por um
número restrito de pessoas ou entidades, muito para alem do que é necessário
para fazer funcionar a economia. O novo culto do bezerro de ouro, como em
tempos já escrevi.
Em
Portugal assiste-se à luta entre o governo que quer gastar menos dinheiro na
educação pública e os que pensam que o progresso do País depende de haver
educação pública, cada vez com mais qualidade, para todos, e da possibilidade
dos jovens irem tão longe na aquisição de conhecimentos quanto as suas
qualidades intelectuais ( e não o dinheiro ) o permitam. E no entanto membros do governo dizem que Portugal
continua a ter falta de mão de obra qualificada para ser mais competitivo... Em Portugal assiste-se à luta entre o governo que quer gastar menos dinheiro na investigação científica e no ensino superior
e as universidades que por esse motivo vêm posto em risco o progresso que se tinha verificado nos últimos
anos.
Em Portugal assiste-se à luta entre o
governo que quer gastar menos dinheiro no Serviço Nacional de Saúde e os que
pretendem manter o nível de satisfação dos utentes, ou desejavelmente
melhorá-lo. Neste capítulo as batalhas
mais mediáticas têm sido sobre salários e sobre o número de profissionais que
são necessários para manter a qualidade dos serviços prestados. Também vem a
lume muitas vezes as deficiências na prestação de certos cuidados de saúde.
Em Portugal assiste-se à luta entre o
governo que quer gastar menos dinheiro na
protecção social em casos de doença ou
desemprego dos trabalhadores, tornando-lhe a vida cada vez mais difícil senão
dramática mesmo, e os sindicatos que os representam.
Em Portugal assiste-se à luta entre o
governo que quer gastar menos dinheiro com reformados-pensionistas-aposentados
não só nas futuras reformas mas também nas presentes reformas actuando
retroactivamente sobre o cálculo das mesmas
Em Portugal assiste-se à luta entre o
governo que quer gastar menos dinheiro com a administração pública, sem nenhuma
reforma com pés e cabeça mas simplesmente cortando nos vencimentos pagos aos
funcionários, e os sindicatos que os representam e acham injusto diminuir rendimentos
com concomitante aumento do número de horas de trabalho.
Alguém poderá dizer que tudo isto é
pôr uma ênfase exagerada em lutas que se verificam há décadas, desde o fim da
2ª Grande Guerra, nas nações democráticas.
O presente não é exactamente igual ao
passado : dantes havia NEGOCIAÇÕES entre parceiros sociais e o governo, sendo o
objectivo procurar a melhoria do nível de vida da população em geral. E os
próprios governos muitas vezes tomavam iniciativas para melhorar a educação, a
investigação científica, o serviço nacional de saúde e a segurança social.
Presentemente dizer que há negociações é um eufemismo : o que há
é uma LUTA da generalidade das
pessoas para sobreviver ou para aguentar a sua vida. Por isso digo que o
conjunto destas lutas é UMA NOVA GUERRA FRIA, UMA GUERRA FRIA CIVIL, em que
uns ( poucos mas com poder ) querem
conquistar parte dos rendimentos dos restantes ( muito mais numerosos mas ainda
não suficientemente unidos para resistirem ).
A bem do progresso da Humanidade,
esta guerra terá obrigatoriamente de ser ganha pelos Homens e não pelos gananciosos
sem escrúpulos e pelos políticos que os servem
NOTA : Alguns dirão que estes
sacrifícios são necessários porque temos os credores à perna. Estou de acordo
que as dívidas têm de ser pagas, mas não estou de acordo com o modo como os sacrifícios
estão a ser distribuídos e de ser usado o pretexto das dívidas para pôr em causa uma das
grandes conquistas do nosso tempo que é o Estado Social Europeu.
F. Fonseca
Santos
21 JAN 2014
