quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A NOVA GUERRA FRIA



Entre os então denominados bloco ocidental e bloco soviético viveu-se durante muitos anos um estado de confrontação a que se deu o nome de guerra fria que, felizmente, nunca chegou a “aquecer” porque o terror dum holocausto nuclear foi mais forte do que as ambições de dominação eventualmente existentes.
Durante esse período os governos democráticos do bloco ocidental ( fossem eles democratas-cristãos ou sociais democratas ) esforçaram-se por mostrar aos seus eleitores que a economia de mercado, apoiada num sistema capitalista regulado, era capaz de proporcionar mais protecção e bem estar do que o bloco soviético, baseado num sistema de partido único, planeamento económico centralizado e capitalismo de estado ( e repressão de dissidentes ) que garantia emprego para todos, educação e saúde gratuitas, reforma ao fim da vida de trabalho ( mas não a liberdade) . Nasceu assim, e foi-se desenvolvendo, o Estado Social Europeu que trouxe às populações igualdade de oportunidades, bem estar e poder aquisitivo, num ambiente de liberdade e de livre escolha.
Com os esfrangalhamento da União Soviética e o fim dos regimes comunistas nos países do bloco de leste, o estado de espírito dos detentores do capital e dos dirigentes dos partidos da direita começou a mudar : já não havia competição com o bloco comunista, já não havia perigo da “revolução bolchevista” e portanto talvez não fosse necessário conceder tantas “benesses” aos trabalhadores… A desregulação dos mercados iniciada pelos parceiros Reagan e Thatcher, cada um no seu país, permitiu um à vontade aos capitalistas especuladores que não tinham tido até então. Começaram a ser postos à disposição dos investidores, incluindo bancos, os chamados “produtos tóxicos” e a ser concedido crédito duma forma descuidada por parte dos emprestadores, só com a mira em lucros rápidos e fáceis. Tudo isto resultou na crise que se vem manifestando desde 2008 – e da qual a chamada crise das dívidas soberanas é a componente que mais tem feito sofrer os portugueses
 E qual tem sido a solução adoptada na União Europeia para estes males?  Em vez de fazer jus ao seu nome e unir-se realmente, procedendo a uma regulação eficiente dos mercados de capitais, optou, seguindo a influência dos países mais ricos, por impor a todos, e em especial às nações em dificuldades, uma política de austeridade que veio pôr em causa os fundamentos do Estado Social Europeu. Os novos políticos da direita neo-liberal ou melhor dito neo-conservadora, que possivelmente nunca gostaram da situação anterior em que se verificava uma mais justa distribuição da riqueza, apoiaram e apoiam esta solução e temos estado a assistir a uma luta, a uma autêntica luta – uma GUERRA FRIA , nalguns países com erupções “quentes”, nas manifestações que descambam em desordem e luta entre as “forças da ordem” e os manifestantes – entre os adeptos do Estado Social e os que dizem que não há dinheiro para isso, que a situação económica da população ( não rica ) tem de regredir algumas décadas. Não sou economista, mas dizer que “não há dinheiro para isso” não me parece a expressão correcta. A frase correcta, que tais políticos devem dizer,  é : “essa não é a nossa prioridade; a nossa prioridade é deixar funcionar livremente os “mercados” e quem tiver unhas que toque guitarra “.  E o resultado desta política de austeridade já se começou a notar:  ricos  tornam-se cada vez  mais ricos , a classe média vai-se desfazendo e os pobres  tornam-se cada vez mais pobres.                                                                                                                                          
 Volto a dizer estamos novamente numa situação de guerra fria entre duas maneiras de encarar a vida : uma em que o primado das actividades económicas é a satisfação das necessidades do Homem e outra em o objectivo das mesmas actividades é acumular cada vez mais dinheiro por um número restrito de pessoas ou entidades, muito para alem do que é necessário para fazer funcionar a economia. O novo culto do bezerro de ouro, como em tempos já escrevi.                                                                                            
 Em Portugal assiste-se à luta entre o governo que quer gastar menos dinheiro na educação pública e os que pensam que o progresso do País depende de haver educação pública, cada vez com mais qualidade, para todos, e da possibilidade dos jovens irem tão longe na aquisição de conhecimentos quanto as suas qualidades intelectuais ( e não o dinheiro ) o permitam.  E no entanto membros do governo dizem que Portugal continua a ter falta de mão de obra qualificada para ser mais competitivo...                                      Em  Portugal assiste-se à luta entre o governo que quer gastar menos dinheiro na  investigação científica e no ensino superior e as universidades que por esse motivo vêm posto em risco o  progresso que se tinha verificado nos últimos anos.
Em Portugal assiste-se à luta entre o governo que quer gastar menos dinheiro no Serviço Nacional de Saúde e os que pretendem manter o nível de satisfação dos utentes, ou desejavelmente melhorá-lo.  Neste capítulo as batalhas mais mediáticas têm sido sobre salários e sobre o número de profissionais que são necessários para manter a qualidade dos serviços prestados. Também vem a lume muitas vezes as deficiências na prestação de certos cuidados  de saúde.
Em Portugal assiste-se à luta entre o governo que quer gastar menos dinheiro na
 protecção social em casos de doença ou desemprego dos trabalhadores, tornando-lhe a vida cada vez mais difícil senão dramática mesmo, e os sindicatos que os representam.
Em Portugal assiste-se à luta entre o governo que quer gastar menos dinheiro com reformados-pensionistas-aposentados não só nas futuras reformas mas também nas presentes reformas actuando retroactivamente sobre o cálculo das mesmas
Em Portugal assiste-se à luta entre o governo que quer gastar menos dinheiro com a administração pública, sem nenhuma reforma com pés e cabeça mas simplesmente cortando nos vencimentos pagos aos funcionários, e os sindicatos que os representam e acham injusto diminuir rendimentos com concomitante aumento do número de horas de trabalho.
Alguém poderá dizer que tudo isto é pôr uma ênfase exagerada em lutas que se verificam há décadas, desde o fim da 2ª Grande Guerra, nas nações democráticas.
O presente não é exactamente igual ao passado : dantes havia NEGOCIAÇÕES entre parceiros sociais e o governo, sendo o objectivo procurar a melhoria do nível de vida da população em geral. E os próprios governos muitas vezes tomavam iniciativas para melhorar a educação, a investigação científica, o serviço nacional de saúde e a segurança social. Presentemente dizer que há negociações é um eufemismo : o que há
é uma LUTA da generalidade das pessoas para sobreviver ou para aguentar a sua vida. Por isso digo que o conjunto destas lutas é UMA NOVA GUERRA FRIA, UMA GUERRA FRIA CIVIL, em que uns               ( poucos mas com poder ) querem conquistar parte dos rendimentos dos restantes ( muito mais numerosos mas ainda não suficientemente unidos para resistirem ).
A bem do progresso da Humanidade, esta guerra terá obrigatoriamente de ser ganha pelos Homens e não pelos gananciosos sem escrúpulos e pelos políticos que os servem

NOTA : Alguns dirão que estes sacrifícios são necessários porque temos os credores à perna. Estou de acordo que as dívidas têm de ser pagas, mas não estou de acordo com o modo como os sacrifícios estão a ser distribuídos e de ser usado o  pretexto das dívidas para pôr em causa uma das grandes conquistas do nosso tempo que é o Estado Social Europeu.

F. Fonseca Santos

21 JAN 2014

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