sexta-feira, 30 de setembro de 2011

DESPEDIMENTO POR INADAPTAÇÃO AO POSTO DE TRABALHO

Tem sido noticiado nos meios de comunicação social a existência de conversações, reuniões, discussões, etc entre o governo e os parceiros sociais, bem como veiculadas opiniões de analistas, especialistas, etc.sobre alterações à lei dos despedimentos.
Tambem vou atrever-me a exprimir a minha opinião num assunto tão delicado e de tamanha importancia na vida das pessoas ( e na das empresas, privadas ou públicas ) baseado na minha experiência de gestor industrial durante quase 4 décadas.


Antes porem uma observação minha e o relato duma situação real ocorrida no princípio da década de 80 do século passado.
A observação :
Numa actividade programada, seja civil seja militar ( posso falar desta porque fui comandante duma pequena unidade militar entre 1963 e 1965 em Angola no Sector D - quem lá andou sabe aonde era ) quando alguma falha, a culpa em geral é dos Chefes e não dos Operadores ( ou Soldados )
O relato:
Na década acima referida começava a dar em Portugal os primeiros passos a automação industrial de base digital ( em substituição do sistema analógico) e apareciam os primeiros teclados de manobra tipo computador.
Na fábrica onde trabalhava, quando o problema de modernizar o funcionamento duma operação fundamental se pôs, todos nós os responsáveis começamos por coçar a cabeça e pensarmos : como é que vamos conseguir fazer as alterações necessárias  com operadores que ha anos estão habituados a uma dada rotina, e ainda por cima têm o  nível de educação da instrução primária ( hoje 1º ciclo básico ), ? Será que teremos de substituir todos os operadores ?
Como a última alternativa era a menos desejada, desenhou-se o seguinte plano :
1º sujeitar os operadores em causa a testes psico-técnicos
2º ensinar a nova maneira de trabalhar aos que fossem considerados aptos
Realizados os testes, verificou-se que apenas 2 foram considerados não aptos - e mudados para um posto de trabalho compatível.Não foram despedidos!
Instalado o equipamento, os responsáveis por aquela actividade da fábrica , duma forma programada, ensinaram primeiro os chefes de turno e depois os operadores. E ao fim de pouco tempo o serviço corria com toda a normalidade.
Entre parêntesis devo dizer que a empresa propreietária daquela e doutras fábricas era ( e ainda é ) uma parceria entre uma grande multinacional e uma uma grande firma nacional e tinha as seguintes "originalidades" : pagava bem aos trabalhadores, pagava os seus impostos até ao último centavo, proporcionava bons lucros aos seus accionistas, tratava as pessoas como...pessoas, usava nas suas produções a tecnologia correspondente ao estado da arte para a respectiva dimensão e respeitava os consumidores portugueses pondo no mercado produtos com a mesma qualidade que teriam no resto da Europa , nos Estados Unidos ou em qualquer ponto do globo.
 Isto não quer dizer que a empresa não tenha iniciado a sua restructuração há mais de 20 anos de forma a aumentar a sua produtividade. Esta reestruturação assentou em novas tecnologias - automação dos processos - e tambem na redução do número de trabalhadores. Mas os trabalhadores considerados redundantes não eram simplesmente amachucados e deitadas para o caixote do lixo como um papel velho : era tratados como... pessoas, as condições de saida da empresa eram negociadas e no fim chegavam a um acordo. As pessoas saiam em geral satisfeitas e até havia quem fosse perguntar ao serviço de pessoal quando chegava a sua vez de negociar a saída !
Nesta altura, o jornalista Sr. José Manuel Fernandes, se lesse o presente escrito estaria talvez a pensar :
" esses tempos já não existem, este escrevinhador é um obsoleto, uma abencerragem".
Esses tempos já não existem se os responsáveis não quiserem. É uma questão de humanismo . Ou como diria um filósofo muito falado no mundo ocidental mas pouco seguido na vida dos negócios e dos especuladores ( Jesus Cristo ): não faças aos outros aquilo que não gostarias que fizessem a ti.


Olhando então para o memorando de entendimento com a chamada troika o que vemos:
4. MERCADO DO TRABALHO E EDUCAÇÃO
.......................................
4.5 Definição de despedimentos
.......................................
i) Os despedimentos individuais por inadaptação do trabalhador deverão ser possiveis  mesmo sem a introdução de novas tecnologias ou outras alterações no local de trabalho ( art....do Código de Trabalho.  Entre outras, pode ser acrescentada uma nova causa justificativa nos casos em que o trabalhador tenha acordado com o empregador atingir determinados objectivos não os cumpra, por razões que sejam da exclusiva responsabilidade do trabalhador


Analisando o 1º periodo de i), em que circunstancias pode um trabalhar estar ou ficar inadaptado  sem a introdução de novas tecnologias ou outras alterações no local de trabalho ?
Podemos de facto considerar várias hipóteses :
a) O trabalhador foi mudado para um específico posto de trabalho e não se adapta. È culpa do trabalhador ou do empregador ? O empregador deu-lhe formação adequada ? O empregador queria despedir aquele trabalhador e mudou-o para um posto de trabalho que à partida não era apropriado para o trabalhador?
b) O trabalhador é novo na empresa e foi colocado num posto de trabalho ao qual não se adapta. É culpa do trabalhador? Ou do empregador que não sabe contratar pessoas para os postos de trabalho disponíveis?
c) O trabalhador teve uma doença ou acidente incapacitante para o trabalho que fazia. O empregador deve procurar colocá-lo noutro serviço ou poderá despedi-lo com justa causa?


Analisando o 2º periodo, podemos aceitar como justa causa o não cumprimento de objectivos acordados, desde que estes sejam realmente acordados livremente com o trabalhador e não impostos pelo empregador.
A minha experiência tambem me diz que nestes  casos é preferível a cenoura ( um prémio pelo cumprimento)
do que o chicote ( o despedimento pelo não cumprimento). Explicando melhor : mandar o trabalhador para a rua não melhorou a produção, mas dar um prémio pelo cumprimento sim.


Resumindo sobre este ponto do entendimento com a troika :
Quaisquer alterações que sejam introduzidas às razões para despedimento dum trabalhador por inadaptação ao posto de trabalho devem ser rigorosa e pormenorizadamente descritas para não deixar margem de manobra para despedimentos arbitrários .


Passando agora ao ponto ii) de 4.5 do memorando;
Os despedimentos individuais associados à extinção do posto de trabalho não devem necessáriamente
seguir uma ordem ´pré-estabelecida de antiguidade.


Atender à antiguidade é uma manifestação de humanidade ( todos sabem que, excepto no caso de pessoas muito bem qualificadas, quanto mais velho for o trabalhador mais difícil se torna encontrar emprego ) e de gratidão ( um trabalhador que durante muitos anos serviu com dedicação uma empresa não merece ser atirado fora na primeira oportunidade). Tambem pode acontecer que um trabalhador antigo prefira saír desde que lhe paguem uma compensação justa e não a miséria que está agora a ponto de ser legislada
Em termos empresariais é evidente que dar preferencia a um trabalhador mais novo, mas com elevado potencial é uma opção a considerar. As empresas devem fazer o possivel para preservar os bons elementos.
O que não é aceitável é inventar uma regra adequada para proteger alguem que p. ex. seja primo do filho do
fulano de tal amigo do patrão, ou despedir o mais antigo porque, por razões do seu progresso na empresa, ganha mais do que um jovem empregado
Tambem é bom não esquecer que os trabalhadores antigos, se tiverem sido tratados como pessoas, "têm amor à camisola" e uma mais valia de conhecimentos que em geral não é para desprezar.
Este ponto está relacionado com iii) Os despedimentos individuais. pelas razões acima indicadas, não devem estar sujeitos à obrigação da tentativa de transferência do trabalhador para outro posto de trabalho disponível ou uma função mais apropriada ( art. ... do Código de Trabalho ). Em regra, se existirem postos de trabalho disponíveis, compatíveis com as qualificações do trabalhador, devem ser evitados despedimentos.  
O ponto iii) apresenta no seu conteudo, e na minha opinião, uma contradição : por um lado os empregadores não devem estar obrigados a transferir o trabalhador para outro posto de trabalho ( portanto podem despedir se quiserem ), por outro lado os empregadores devem evitar os despedimentos, se existirem outros postos de trabalho compatíveis.
Como disse acima, os despedimentos não devem ser arbitrários ( as pessoas não são propriamente máquinas ou ferramentas ) e portanto, como  é necessário desfazer a contradição, a lei deve fixar
a obrigatoriedade de , por motivo de extinção dum posto de trabalho, transferir o trabalhador para outro posto de trabalho disponível e compatível com as suas qualificações


Voltando ao tema das indemnizações por despedimentos - parte 4.4 do memorando de entendimento.
Que se pode dizer em relação ao que foi acordado entre a troika estrangeira e a  troika portuguesa?
Se o governo chegasse à conclusão que o acordado é demasiado mau para o trabalhadores e demasiado bom para o empregadores, tentar uma renegociação deste tema.
Aliás a uma frase de 4.4. ponto ii) " sem redução de direitos adquiridos" poderá salvar os trabalhadores já empregados antes da nova lei entrar em vigor.


Do ponto de vista dos empregadores mais egoistas, provavelmente as novas compensações  ainda são muito elevadas. Talvez no total um mês de ordenado e um cobertor fossem suficientes ( já explico a ideia do cobertor )
Do ponto de vista dos trabalhadores e de quem tem a noção de que o homem deve ser o centro nas nossas preocupações, a redução da indemnização por despedimento para 10 dias por ano de antiguidade
( e mais 10 dias por ano de trabalalho a serem pagos por um fundo financiado pelos empregadores - a que estes fogem como o diabo da cruz ) com um limite máximo de 12 meses é uma gota de água. Façamos umas contas:
Um empregado com 50 anos de idade , 30 anos de serviço e 800 € de ordenado bruto é despedido ; vai receber 9.600 € de compensação, ou com um bocado de sorte, se o problema dos 10 dias adicionais se resolver, 19.200 €. Se não arranjar novo emprego, o que é difícil considerando a idade e o nível de desempego actual, quanto tempo durará o dinheiro? Será suficiente para se tornar um pequeno empresário ?
Se for vender castanhas assadas para a rua, certamente será. Mas já tenho duvidas se a alternativa for comprar uma rolote com os requisitos de higiene necessários para vender sandes fora de horas ou nas feiras. Imaginemos agora que o empregador ao despedir o trabalhador de 50 anos tinha segundas intenções : contratar outro trabalhador pagando um salário inferior.
Supondo que contratava um imigrante por 600 € brutos por mês, quanto tempo levaria a ressarcir-se da despesa do despedimento ? A diferença de despesa mensal seria ( considerando que ainda existirá taxa social única ) de 1,25 ( 800-600) = 250 € . Como em geral os empregadores ( ainda ) pagam 14 meses por ano, o "investimento" no despedimento estaria pago em 2 anos e 9 meses.  É tentador ?
Ao argumento de que devemos pagar indemnizações ao nível da media do que se patica na eurolândia, tambem se pode responder : de acordo, quando os salários dos nossos trablhadores forem semelhantes à média dos salários dos trabalhadores dos países do euro ( não estou a falar de directores e equiparados )
E para terminar, a história do cobertor ( que aprendi na instrução primária ).
Em tempos remotos, numa dada tribo, era costume os filhos levarem os pais para o cimo duma montanha árida e fria, quando estes já não conseguiam contribuir para o sustento ( ou  para a economia ) da tribo,  e deixá-los lá para morrer apenas  com um cobertor.
Quando chegou a vez dum certo ancião, este perguntou ao filho :" Tens aí uma navalha?". O filho ficou admirado e por sua vez perguntou : " Para quê, pai ?"  Resposta : " Para cortar este cobertor ao meio e assim o teu filho já fica preparado para te trazer, quando chegar a tua altura!" . O filho começou por ficar pensativo e depois, envergonhado, trouxe o pai de volta para a aldeia. E assim acabou o bárbaro costume.
Claro que isto é uma história, diriamos hoje, ' tendente a provocar a solidariedade inter-geracional', com um final feliz.
Será que os nossos costumes bárbaros de falta de solidariedade vão ter um final feliz ?

F. Fonseca Santos

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