AINDA SOBRE O ESTADO SOCIAL
Num tempo em que muita gente considerada bem pensante ( e geralmente bem instalada na vida ), a propósito da dívida soberana de Portugal e da situação de austeridade em que somos obrigados a viver, afirma que não é possivel continuar a pôr em prática o "estado social" , que as pessoas devem ser
deixadas entregues a si próprias e que para as mais
desgraçadas haverá sempre a assistência social, venho mais uma vez expor a minha opinião.
Declaração de princípios : Não concordo nada com esta maneira egoista de encarar a Sociedade. Em Portugal e em qualquer país do mundo.
Mas, voltando ao princípio, o Estado Social começou a ser implantado na Europa Ocidental a seguir à 2ª guerra mundial pelos governos progressistas ( progressistas no sentido de quererem o progresso das pessoas e não apenas da ciência e da tecnologia ) eleitos por cidadãos desejosos duma vida melhor depois dos sacrifícios que tinham feito para salvar os seus países do nazi-fascismo. E os governos conservadores ( conservadores no sentido de gostarem de manter o statuo quo de democracia meramente política que existia antes da guerra ) que
foram alternando com os progressistas, alinharam com os novos objectivos de vida, possivelmente com medo do sistema soviético e para mostrar que a
economia de mercado poderia trazer mais felicidade aos povos que o sistema económico de planeamento centralizado.
E assim pouco a pouco se foram desenvolvendo os
pilares do Estado Social, ou seja educação acessível a todos, serviço nacional de saude, segurança social,
que tomaram formas diferentes, dentro dos mesmo princípios da solidariedade entre os que têm mais e os que têm menos e da solidariedade inter-geracional. Até Portugal, uma vez livre da ditadura,
se organizou de forma a atingir aqueles objectivos humanistas e foi mais longe criando o Rendimento Mínimo Garantido, mais tarde crismado de Subsídio Social de Integração, e instituindo um complemento às pensões mais baixas para que todos
os Portugueses tivessem um mínimo para viver.
Isto - o conceito de que os governos têm a responsabilidade de prover a que todos os cidadãos, sem excepção tenham acesso aos benefícios da civilização - para aqueles que consideram as pessoas mais importantes que o dinheiro, é um notável avanço da humanidade, como o foram a abolição da escravatura, a abolição da pena de morte, o voto para as mulheres.
Em Portugal. porem, continuou a faltar um pilar : o pilar da igualdade perante a Justiça. Não se trata da igualdade perante a Lei. Essa está inscrita na Constituição. mas a igualdade perante a Justiça é outra coisa : é a possibilidade de litigantes, ricos ou pobres terem a mesma possibilidade de defesa em tribunal. Todos sabemos que quem tem dinheiro para pagar a advogados caros pode evitar quase indefinidamente a consumação duma condenação.
Este problema pode ser resolvido através de legislação mais apertada, impossiblitando a apresentarção de recurso atrás de recurso só para demorar tempo. E, pergunto eu : porque razão podem os crimes prescrever se o o presumível culpado ainda estiver vivo ?
Está previsto na legislação que toda a gente tem direito a um defensor, mesmo que alegue não ter dinheiro. Mas esta garantia seria melhor acautelada se existisse uma carreira de "defensor oficioso" em paralelo com uma carreira de procurador público, como penso que existe nos EUA e não sei se noutros paises.
A possibilidade de todos, ricos, remediados, pobres e paupérrimos terem acesso à educação pública em termos de igualdade e de chegarem tão longe quanto as suas qualidades naturais o permitam é não só um requisito de solidariedade para que todos se sintam integrados na Sociedade, mas tambem ( argumento para os economicistas ) a possibilidade de não deixar cidadãos no limbo da ignorância quando poderiam ser muito úteis à nação. Quanto maior fôr a base de escolha dos futuros dirigentes, cientistas, professores, artistas, etc. maior será a possibilidade de se encontrar as pessoas certas para o promover o progresso humano e económico do País
O acesso de todos aos cuidados de saude de forma limitar o sofrimento, a poder viver uma vida saudável, a prolongar tanto quanto desejável ( pelo doente ) o periodo de existência, é um conceito que poucos terão razões dignas dum ser humano para contrariar .
E é evidente que isto implica o recurso aos mais modernos conhecimentos da medicina, da cirurgia, dos meios de diagnóstico e dos meios de tratamento. Claramente que "sai muito mais barato tratar um doente com os conhecimentos e as técnicas de 1950", p.ex. ou deixá-lo morrer mas... podemos em consciência adoptar estas soluções economicistas ?
A segurança social é tambem um imperativo dos tempos modenos : se somos uma nação, se queremos que todos se sintam nela integrados para que tambem possamos pedir sacrifícios ( por ex. em caso de guerra, ou de grande catástrofe) então temos que tratar os mais desfavorecidos como cidadãos - e não como "pobrezinhos" a quem damos esmola para ficarmos de bem com a nossa consciência ). Isso implica, é óbvio muitas responsabilidades da sociedade em geral : o auxílio no desemprego, o auxílio a quem não tem meios de sustentar a família, a exigência - suportada se for caso disso- de que todos os jovens frequentem a escola, o amparo dos que vivem sozinhos e já não se possam valer, ou não tenham quem lhes valha, o amparo aos deficientes ou incapacitados, a assistência aos doentes terminais, o pagamento de reformas de acordo com a carreira contribuitiva - e não por benesse-, etc. E como não pode deixar de ser, o dever de todos contribuirem para o
progresso e para o bem comum. Não se deve receber sem retribuir com o que se pode.
Mas onde arranjar dinheiro para isto tudo ?
Aumentando os impostos, afligir-se-ão logo os conservadores. Os ricos que paguem para os pobres dirão os mais esquerdistas.
É óbvio que os impostos são necessários e tambem é óbvio que quem mais tem, mais deve contribuir. A solução do problema reside numa boa ( aceitável ) repartição do esforço de cada cidadão.
Chegados a este ponto surgem logo as perguntas :
Mas há dinheiro no país , sem recorrer aos empréstimos externos de qualquer espécie, para acorrer a todas estas necessidades ?
A produção de riqueza em Portugal pode ser aumentada?
Que critérios devem ser usados para que os cidadãos aceitem o esforço que lhes é pedido sem terem a tentação de mandar o seu dinheiro para os famosos off-shores ?
Será o amor à pátria superior ou inferior ao amor ao dinheiro ?
Se uma pessoa ou empresa ganhou dinheiro dos portugueses vendendo ou prestando um serviço, tem o direito de colocar esse dinheiro ao serviço de estrangeiros, sem benefício nenhum para os que estiveram na origem dos seus ganhos ? Ou deverá re-investi-lo de forma que haja não só benefício para si próprio como para os prtugueses ?
Poder-se-is colocar muito mais perguntas, mas estas já são suficientemente difíceis de responder.
Mas que devem ter resposta. Só a morte não tem solução, dizem.
"I have a dream!" disse Martin Luther King e acabou por ser assassinado antes de o ver realizado. Mas o sonho tornou-se realidade.
E assim devemos pensar nós. A continuação do Estado Social é talvez um sonho. Mas não devemos deixar de continuar a lutar por ele.
O comportamento da Sociedade ainda é muito imperfeito,e tem tido altos e baixos ao longo do século passado e deste, para não irmos mais longe. A força dos especuladores, que está a substituir a força das armas, parece muito forte
mas mais forte tem de ser a vontade dos que acham que todos temos direito ao progresso. O Estado Social é uma grande conquista da civilização e deve continuar vivo!.
Lembremos o Poeta para nos manter a coragem :
".,..
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!"
F. Fonseca Santos

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